Ela já foi a Europa e enxergou o mundo capitalista desenvolvido, já excursionou pelos países latinos americanos l como Bolívia, Argentina, Peru e Chile e recentemente visitou o tão falado resquício do “mundo socialista”: Cuba. Vamos Vê o que tem a falar essa socióloga com uma bagagem tão diversificada.
1- Você é uma socióloga de tradição marxista. O que você tem a dizer sobre as novas interpretações de Marx?
Compartilho com todos aqueles que ao analisarem a história dos homens, não perderam o foco na realidade. Cito István Mézáros, Georg Lukács, Ricardo Antunes, Florestan Fernandes, entre outros.
2- Suas leituras e publicações abordam sempre temas latino-americanos. Sua formação acadêmica a influenciou nesse caminho?
Confesso que desde muito cedo tenho uma veia revolucionaria que pulsa muito forte, certamente o que fez com que eu fosse estudar Ciências Sociais foi a indignação contra uma série de injustiças advindas do sistema capitalista em sua fase imperialista. Nesse sentido, destaco a relevância das “veias abertas de nossa América Latina”, expostas com muita clareza pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano.
3- Entre as viagens que realizou, também esteve na Europa. Quais países você visitou, e o que chamou lhe chamou mais atenção?
Na Europa tive a oportunidade de conhecer a Bélgica, Itália, Portugal, Espanha, e França.
Até conhecer Portugal, havia uma lacuna entre o que contam os livros de história e nossa realidade. Andar pelas ruas de Lisboa, Porto, Coimbra, Fátima, Nazaré... Conversar com as pessoas, olhar pra arquitetura de castelos, mosteiros, conventos,... Proporcionou-me um olhar mais atento sobre o que nos une e nos separa.
4- O mundo capitalista desenvolvido não a seduziu ideologicamente?
Na verdade não sou contra o avanço tecnológico, tampouco acredito que a humanidade precise retornar para a caverna, mas não me deixo seduzir pelo Capitalismo, porque sei que é inerente ao sistema o movimento desigual e combinado em escala planetária, ou seja, à medida que potencializa a produção, também cria uma série de necessidades que não serão atendidas nas classes menos favorecidas, portanto ao contrário de me encantar, me desencanto cada vez mais com essas desumanidades.
5- Poderia traçar um paralelo entre os países da América Latina e os Europeus?
Até hoje vivemos os impactos da colonização européia na América Latina.
Em busca de riquezas, os europeus cometeram um genocídio sem precedentes em nossa América.
Concordo plenamente com o presidente boliviano quando diz que vivemos 500 anos de exploração e espoliação européia.
6- O Marxismo foi superado?
Nossa história é a história da luta de classes, da alienação, da mais-valia, da manipulação econômica, social e política, do exército industrial de reserva... Só poderíamos afirmar que Marx fora superado, se todos esses combustíveis do Capitalismo tivessem desaparecido.
7- Como analisa as novas leituras e paradigmas da sociologia contemporânea?
Questiono as leituras da história que tem como pedra de toque o pós - modernismo. Afinal quais seriam as rupturas com a Modernidade para que agora a denominemos de pós?
8- Se fosse indicar um livro a um amigo qual seria?
Gosto muito de Dom Quixote, nele vejo a simplicidade, o sonho, o encantamento e a perseverança, eis um livro que indico sem medo.
9- E a uma pessoa indesejável?
Bom mesmo seria se não existissem pessoas indesejáveis, mas já que isso não é possível, talvez indicasse o mesmo, quem sabe a leitura pudesse despertar algo positivo.
10- Como recebeu o convite para participar da “Confraria Balaio de Idéias”?
Fiquei muito honrada com o convite e espero corresponder às expectativas do grupo.
11- Você esteve ausente ao Primeiro Colóquio devido uma viagem à Brasília. Pode falar um pouco do evento que participou?
Participei da Teia Nacional Cultural, evento em que participaram diversos representantes culturais do país inteiro. Lá pudemos interagir com grandes referências como Dona Teté e seu Cacuriá, mestre Salustiano, Quinteto Violado, mestres Griôs, índios do Xingu, Nelson Triunfo, entre outros não menos importantes.
Em completa harmonia realizamos debates e apresentações que culminaram com um cortejo que simbolizou a reproclamação da nossa República (era um 15 de Novembro), já que a proclamação não teve participação popular.
12- Quais atividades relacionadas à arte, história, literatura e afins você desenvolve?
Frequento vários saraus literário-musicais, sou editora de um periódico virtual que tem como pressuposto uma integração entre os países da América Latina e Caribe.
Defendo a Revolução Cubana participando da Brigada de solidariedade Sul americana.
Desenvolvo projetos na prefeitura de São Paulo, cujo mote é a valorização de nossa história, cultura e arte.
13- O que seu artigo “Porque Somos Bolivarianos” trás de novo à literatura cientifica?
Creio que o elemento novo do meu artigo é justamente colocar na pauta do dia a discussão sobre nossa latinidade, bem como a urgência de nossas demandas preconizadas por Simon Bolívar.
14- Um livro lançado é pouco? Por quê?
Sim. Devido à complexidade dos temas tratados, um livro é apenas um aperitivo.
15- Das suas viagens para onde você voltaria e pra onde não voltaria mais? Por quê?
Sempre que posso retorno a Cuba, pois desde a primeira vez que estive na ilha vivi uma catarse. Lá revi conceitos, entrei em choque diante da discrepância do que vivemos aqui e a realidade cubana. Precisei viajar pra tão longe pra entender os verdadeiros sentidos das palavras solidariedade e rebeldia.
Não há lugar que eu tenha ido que não voltaria. O que acontece é que quando cheguei à Bolívia tinha uma visão romântica do índio, assim enfrentei muitas dificuldades para compreender aquelas “existências”, a meu ver, só comparáveis ao sofrimento de quem enfrenta a seca no Brasil.
16- O que falta na nossa democracia?
Eliminar a corrupção.
Vivemos um câncer social em metástase. Precisamos desenvolver mecanismos que confiram idoneidade, lisura, seriedade e respeito em todos os setores públicos.
17- Mudaria de país, ou morre pela pátria?
Sou brasileira e gosto muito desse país!
O Brasil é o país da diversidade, da miscigenação, o que precisamos é tomar atitudes que extirpem a corrupção e não tenha lugar para a subserviência.
18- O que as cubanas têm?
As cubanas eu num sei não, mas os cubanos aah esses tem de um tudo, (risos). Dignidade, Saúde, Educação, sobretudo total resistência ao Imperialismo.
19- Você fez uma pós-graduação em sociologia e história do trabalho. Tem planos para um mestrado/ doutorado nessa área ou mudaria de linha de pesquisa?
Sou de uma família de origem muito simples. Minha mãe era merendeira escolar e meu pai motorista de táxi, para ambos os maiores valores que poderíamos ter é o conhecimento através dos estudos.
Por isso venho refletindo, já faz um tempo, em retomar minha vida acadêmica.
As questões cotidianas me inquietam a todo tempo. Em todos os lugares por onde ando costumo ir às feiras livres, observo as diferentes linguagens, a comunicação, o colorido, o ir e vir das pessoas, estou inclinada a desenvolver um mestrado trazendo a baila esse universo.
20- O socialismo acabou definitivamente com a extinção da URSS e a queda do muro de Berlim?
A Idade Média com seus mil anos parecia não ter fim, mas hoje o que restou dela?
Para a história dos homens o Capitalismo é recente, embora pareça ser infinito, haja vista o tamanho do estrago que faz.
Podemos constatar que os abusos desse Modo Produção hegemônico não deu certo, daí a possibilidade de desenvolvermos uma outra sociabilidade para além do Capital, e por que não o Socialismo?
21- Como educadora que perspectiva você vê na juventude atual?
A generalização é muito ruim. Tenho alunos com muita dificuldade de aprendizagem, com problemas sociais enormes, os quais refletem diretamente na escola. Por outro lado, também tenho alunos brilhantes, críticos, sensíveis.
A cada dia de trabalhado com eles, procuro refletir sobre o alcance de minhas aulas em concordância com essas necessidades.
Os adolescentes têm como característica o imediatismo, vislumbrar um futuro é quase impossível para eles, sendo assim, priorizo as discussões sobre “o ser”, em detrimento do “ter” e do tempo.
Penso que precisamos investir mais e mais na juventude atual para que possamos ver luz no fim do túnel.
22- Como você analisa a Escola Pública no Brasil hoje?
Sou oriunda da escola pública, minhas filhas estudam nela, portanto acredito e defendo essa escola, sem suprimir as críticas.
Houve um período em que a escola pública tinha uma qualidade incrível, mas a massificação, o desprezo de sucessivos governos nos enveredou por caminhos tortuosos.
Levaremos bastante tempo para conseguirmos uma educação com a qualidade que queremos, mas não abandono a luta diária. Muitas vezes ao término de uma aula comento com os colegas que valeria um salário 3 vezes maior que recebo, mas desempenho meu trabalho como se isso fosse liquido e certo, embora não abra mão de lutar pelos nossos direitos, seja na questão salarial ou nas condições de trabalho.
23- Para finalizar, por que somos todos Bolivarianos?
Porque o ideário de Simon Bolívar não tem prazo de validade.
Cecília Meireles expressou de maneira genial essa luta incessante por liberdade, defendida por ele:
“Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.
Obrigado.